segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A megera mestrada

Quarenta reizinhos e um bobo da corte. Luisa sentia-se impotente diante das carinhas angelicais cujas máscaras caiam cada vez que ela pisava em sala de aula. Sentada no banco traseiro da linha Norte-Sul, a professora mal começava o dia e já previa o dia desastroso que a esperava.
- O tempo que eu gasto com quem não quer aprender, posso gastar sendo uma animadora de platéia. Se a ideia é ser uma diversão para os outros, pelo menos ganharia mais.
Luisa lembrava de cada uma daquelas carinhas que em breve encontraria, fazendo o pensamento ir longe.
- É isso que dá ser professora de quarta série. Ainda mais de escola pública...de escola pública. Não, não, só eu mesmo pra escolher esse fim.
Junto com a queimação trazida pelo café forte para acordar depois de uma noite corrigindo provas, a professorinha começava a desfiar o seu rosário de predicativos aos seus alunos.
- Diabinhos egocêntricos. FEBEM, deviam todos ir pra FEBEM. Esse sim é o lugar deles. Arrogantes, burros, idiotas. Quem eles pensam que são?, pensava enquanto olhava para o menininho com cara de “Denis, o pimentinha” que sentara ao seu lado.
E continuava:
- Marginais, revoltados, projetos de ditadores, boçais. Saudosa palmatória! Se eu pego esses moleques, uix, não é bom nem pensar. Meu Deus, tomara que essa TPM passe logo senão ainda vou esfolar um hoje.
Na roda dos xingamentos, os pais também eram presença constante.
- Egoístas. Jogam seus filhos aqui pra gente educar. Assim é fácil ter filho. É só deixar aqui, passar pra pegar e jogar em outra escolinha da vida. Bando de folgado!
A demora do congestionamento só fazia aumentar a irritação da mestra.
- Professor já era na era da internet. Não precisa ensinar mais nada para estes geniozinhos. Já nascem sabendo de tudo, nunca vi!
O farol abriu e desafogou o trânsito entre a Getúlio Vargas e a Santa Catarina. Ainda bem, estava quase chegando. Nem queria pensar se ouvisse a voz de gralha da diretora reclamando do atraso.
Um ponto antes da escola, Luisa já se levantou para garantir lugar na porta de saída. Tropeçando nos próprios pés, Luisa avistou de longe alguns dos seus alunos, que vieram correndo em sua direção com um presente na mão.
- Oi fessora. Olha o que a gente fez pra você.
- Olhou para o embrulho com tanta ternura que os olhos, vermelhos e irritados, encheram-se de lágrimas. É, ela tinha escolhido certo. Como podia ter passado pela cabeça ser outra coisa na vida?

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Alvo

Tudo é gatilho: oportunidade, candidato ou suicídio.