sexta-feira, 19 de setembro de 2008

VentaMente

Eu tenho medo do que escrevo seja algo velado na memória.
Que a dor que sinto seja uma flecha procurando o alvo,
Repetindo a saga, o conto nunca contado.
Da ave que leva na asa, a própria história.

E é assim que a vida continua.
O pranto procurando o santo,
assim como saio por aí, te procurando.

Organizando pensamentos,
Âncoras remendadas.
De esquecimentos mal resolvidos, passados.

Quero voar de novo, cortar o vento.
Sanar a dúvida do que vejo. Te tirar do peito e te deixar a salvo.

GRACÓREOS

Sou uma metáfora de mim mesmo. Um artigo meio indefinido, como meus pensamentos. As mal traçadas linhas da minha existência constantemente se fundem e se afastam. Sou sujeito concreto e áspero. Anseio um complemento, mas sou pálido, intransitivo. Queria amar; e de forma passiva, tranqüila; ser amado. A dor, acredito, deveria ser abstrata para sempre, mas é constante e forte. As minhas lembranças são agudas e circulam perplexas pela minha mente.
É uma conjunção de símbolos e fatos que, ou não possuem porquês, ou porque não os entendo mesmo. Sou cruel e possessivo em último grau. Sou exagerado, vivo meus sentimentos em estado superlativo. Amo demais, odeio demais, me desfaço e recrio.
Meu corpo, labirinto de formas indecifráveis tomado por sentimentos enigmáticos. Invadem minh´ alma, percorrem os códigos imperfeitos do meu pensamento e me levam ao chão. As palavras já não me servem. O corpo fala, mas estou mudo. Sou só sentimento e medo. Desejo o êxtase ênclise, sempre.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Sopro de Deus

Assovio na imagem do espelho

Onde pairam o orvalho e a neblina vivificante.

Agonizo no claustro românico com gritos de leão.

E diante do céu de búfalo, anseio telescópio para sentir jarros de mim.


O vazio na garganta invade a bárbara língua.

De onde brota água fria do sereno.

O invólucro do gongo a impede de acordar.


terça-feira, 10 de junho de 2008

Concreto ou abstrato

Deus com Sua estrela na voz disse: faz-se!
E fez o homem com salmos de chuva, temeroso do vocábulo sagrado.
Eis sua criação com sino de ouro: corsário das verdades, dos amores náufragos, dos absurdos.
E Ele, envergonhado, consolou-se na calêndula, cansado do deboche demoníaco.
Ali, o ser segue errante, um zumbi de suas vontades.
O fruto verde que se encontra e se perde, um grito no escuro.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Um dia vermelho

As mãos de Cida tremiam. Tomar uma decisão como aquela não era fácil, mas empurrar com a barriga, nesse caso, não resolveria o problema. O nervoso esfriava seu corpo, mais até que o ar condicionado do laboratório de análises clínicas, que estava ligado no máximo mesmo em uma manhã cinzenta de inverno. Aquele cenário ilustrava bem o que Cida estava sentindo. O ambiente só não era mais ríspido do que a voz da atendente que agora lhe chamava. Nunca imaginara estar naquela situação.

Cida era uma mulher tímida. De cabelos corte estilo Chanel , falava baixo e ria discreto, um comportamento fruto de uma infância calada e uma adolescência comedida. Mas estava cansada de tudo isso. Já balzaquiana, ela queria agora viver um pouco a vida. Aceitou o convite de uma amiga do hospital para conhecer novos lugares, rostos e nomes. Foram a um barzinho para pessoas de sua idade. Os olhos percorreram o ambiente, mas nada lhe chamou a atenção. De repente cruzou o seu olhar e caminho um moreno jambo, tentador. Cláudio. Esse era o nome do rapaz simpático, que elogiando o charme do seu jeito acanhado, em pouco tempo abriu a porta do carro e do motel. Mesmo sabendo que não era do seu perfil, Cida preferiu se entregar a essa aventura. Mal sabia ela que podia pagar com a vida o seu atrevimento.lembrando-se daquela noite, Cida agora rezava. “Ai nossa Senhora Aparecida, valhei-me minha mãe”. Rogava pela santa que lhe inspirara o nome depois de ter lhe salvo a vida, sua e de sua mãe em um parto complicado. Agora novamente a virgem teria que vir a seu socorro.

Foi preciso que a atendente lhe cutucasse duas vezes para ela despertar. Estava com o envelope que trazia o resultado do exame na mão. Cida não tinha vontade de pegá-lo, mas pegou, e saiu. Errou a maçaneta, tropeçou no tapete de boas-vindas e entrou no carro. Não tinha coragem de abrir o envelope, não tinha. O que falaria a sua família? O que diria a sua mãe. Coitada, ela nem sequer sabia o significado de DST.


Entrou no seu Gol 1000, fechou os olhos. Nem precisava abrir o envelope. Já sabia do resultado, tinha certeza. Cláudio havia morrido, ponto, assim como ela também iria em breve. Um arrepio gelado lhe percorrera o corpo, a mesma sensação lhe tomara no dia em que a mãe dele havia lhe ligado informando sobre a morte do filho. Ligou para o telefone escrito num pedaço de papel que estava na carteira de Cláudio. Todos os amigos, pensava a mãe, deveriam ser avisados


Cida pegou a avenida central. Horário de almoço, tráfego, nunca o movimento intenso lhe incomodou tanto. O sinal fechou, Cida não viu. Ela escutou de longe os palavrões. Sem controlar a força nos pedais, atravessava os cruzamentos. Ela só queria ir pra casa, só isso. Não via a hora de botar a cabeça em dia e ter coragem para abrir o documento. As pessoas corriam à sua frente nas faixas de pedestre. Cida se perdeu nos seus pensamentos e já não sabia mais para onde estava indo, só sabia que esse era um caminho sem volta. Entrecortando os carros, Cida só parou quando um clarão amarelo surgiu no pára-brisa e a escuridão se fez. As pessoas desceram e vieram ver o acontecido. Cida fora lançada para fora do carro e agora estava estendida na rua. O líquido viscoso vermelho já escorria pelo chão. O medo de Cida agora se tornara verdade, mas não do jeito que imaginara. Chocada com o ocorrido, a mãe de Cida estranhava o papel portado pela filha, mas achava normal o resultado. O exame dera negativo.

terça-feira, 4 de março de 2008

Cotidiano

E outro dia começa e termina e começa etermina ecomeçae termina ecomeçaeterminaecomeçaeterminaeterminaecomeçaecomeçaeterminaeterminaecomeça

Trilhas secas


Andar errante. A esmo, é o mesmo, sem olhar para trás. Uma trilha sozinha: fui incapaz de seguir pensamentos. A besta tudo olha. Absurdos inconstantes. Testemunhais, atitudes insanas. Guerreiras, fugazes. No caminho, enxerguei o que não existia e me afligia tal pestanejar. Tal vicitude, esta angústia que ainda me consome. Que ainda me esgana. Ando pelas ruas, desertas e me pergunto o que há, o que me desacerta, o que me alucina. E continuo a caminhar, porque meu rumo é errante e sigo sem pensar.

Fístula aberta

Amargo regresso,

Descanso no alto.

Espaço.

Me olho no espelho.

Pedaço.

As lágrimas caem.

Inchaço.

Quero ficar sozinho.

Calado.

Olhar o vazio da minha volta.

Amargo.

Pensar na vida

Retalho

E mudar.

Atalho.

Tenho medo do futuro.

Pálido.

Quero morrer.

Espasmo.

E tentar tudo de novo.

Agrado.

Transparecer do tempo

Os dias me engolem,

Trucidam.

Lambem as rugas adormecidas.

O tempo, amigo insano,

Vira ódio, contrapasso.

Tropeço na ninfa e encaro a mulher.

A cara já é coroa

E o feto, balzaquiano.

Vão-se os dias, vai-se o tempo.

Regra lúcida.

Constatação.

Amortecer

Amor à morte

Aonde a aorta

Aperta, sufoca, intrépida

Aporta a trégua.

A morte, como norte

Amortece tanta angústia

Antecipa.

A mando da morte

Vida alerta, insípida.

Sátira. Satírica.

Alvo

Tudo é gatilho: oportunidade, candidato ou suicídio.